sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A Mostra e Eu - Parte 2 - Uma Triste Constatação

Última semana da Mostra. Tudo acabou essa quinta-feira (sem contar a repescagem, que não me atraiu muito então provavelmente não vou comparecer). Tenho apenas quatro filmes e uns curtas para criticar, e me dou conta do quanto me afastei daquele entusiasmo de anos anteriores. Mas abordaremos isso em minhas considerações finais (oh yeah, eu as tenho). Antes, os filmes (todos afortunadamente ótimos)!


My Winnipeg (de Guy Maddin, Canadá, 2007) - Sábado a noite no Shopping Fei Caneca e tinha purpurina no ar. Fui assistir a dois filmes seguidos, entusiasmado por rever Guy Maddin, cujo 
primeiro contato com a obra eu tive na Mostra do ano retrasado, no curta-metragem "Meu Pai Faz 100 Anos", estrelando Isabella Rosselini, e que reencontrei ano passado em "Brand upon The Brain!". Parece que eu só vejo Maddin anualmente, graças à má vontade das distribuidoras brasileiras. Não acho nem pra baixar na internet. Por isso fui com vontade para ver "My Winnipeg" e não me decepcionei. O filme, auto-intitulado uma "docu-fantasia", conta a história da cidade natal de Maddin e palco da maioria de seus filmes, Winnipeg, no coração gelado do Canadá. É um filme excelente, cheio das neuroses do diretor, traduzidas em imagens surreais, personagens bizarros, e letreiros piscando rápidos na tela. Mais um filme que ninguém vai entender e que eu amarei por isso.


Pornô Verde (de Isabella Rosselini e Jody Shapiro, EUA, 2008) - Antes de "My Winnipeg" foram exibidos alguns curtas feitos para a internet e celulares, todos idealizados pela cultuada Isabella Rosselini, auxiliada pelo produtor dos filmes do Guy Maddin, Jody Shapiro (uma panelinha!). Basicamente, cada um dos seis curtas explica os hábitos sexuais dos insetos (Minhoca, Vaga-Lume, Louva-Deus, Caracol, Mosca e Aranha), todos interpretados pela própria Isabella (como dá pra ver nessa adorável imagem que eu vou guardar pra sempre). Hilários, educativos, nojentos e até perturbadores, arrancou risadas nervosas da platéia. Isabella é o máximo. Procure no Youtube!
 




Valsa Com Bashir (de Ari Folman, Israel, Alemanha e França, 2008) - Animação israelense sobre o conflito? Uau! E assumindo uma parcela da culpa? Duplo uau (bom, nem tanto, hoje em dia se colocar no papel de mocinho na briga mais longa do mundo é difícil pra cacete, mas enfim...). 
Meio documentário e meio drama, "Valsa Com Bashir" mostra o diretor Ari Folman tentando recuperar suas lembranças perdidas da época em que serviu no exército israelense. Mais precisamente na época de um terrível massacre cometido pelos israelenses em uma vila palestina. Durante o filme, eu fiquei em dúvida se alguns trechos foram feitos em rotoscopia, pois a técnica de animação era bem peculiar - em momentos me lembrou animações em Flash, em outros parecia de primeira qualidade, como na cena inicial com os cachorros. O final é chocante, quando as animações que nos protegiam do pior são substituídas por tristes imagens de arquivo. Recomendo.



Como Diz a Bíblia (de Daniel Karslake, EUA, 2007) - Todo ano eu gosto de pegar pelo menos um dos documentários, e dessa vez escolhi bem. "Como Diz a Bíblia" acusa o comportamento homofóbico permitido e encorajado na nossa sociedade pela Igreja, e mostra - em alguns momentos, até cruelmente - as tristes e violentas conseqüências. E quando eu digo "acusa", é 
sério. Com depoimentos de homossexuais e familiares que sofreram preconceito, o filme diz exatamente quem anda disseminando essa praga na sociedade americana, e até discute aquelas tais passagens bíblicas que esses desgraçados usam como desculpa pra por seu ódio em prática. Engraçado, inteligente e de cortar o coração.



Deixa Ela Entrar (de Tomas Alfredson, Suécia, 2007) - Pra encerrar com chave de ouro a Mostra desse ano, fui assistir no maravilhosamente gratuito Festival da Juventude "Deixa Ela Entrar" (gramaticalmente incorreto, mas pra mim soa melhor do que "Deixe-a Entrar"), um filme sueco sobre duas crianças solitárias que se encontram numa noite, afetando as vidas um do outro e das pessoas ao redor. Ah, e é um filme de vampiros. Equilibrando bem
a poesia e o gore, o tom singelo com o aterrorizante, essa pequena obra-prima é um dos melhores filmes que eu vi nos últimos tempos. As velhas metáforas de vampiros adolescentes nunca pareceram tão novas e tão cruéis. Altamente recomendado.



Uma coisa me chamou atenção. Diferente dos outros anos em que participei, essa Mostra teve uma estranha falta de aplausos. Me lembro de sessões excelentes de 2006 e 2007, como ............. em que o público literalmente explodiu em apalusos no final, celebrando os momentos maravilhosos que passamos em frente à tela branca. Essa sempre foi uma das minhas coisas favoritas na nossa singela Mostra de São Paulo: a celebração do cinema. Longe daquelas grandes salas do Cinemark que lotam com os filmes da Xuxa, a Mostra me parecia uma época santa, na qual os fiéis se reuniam por algo mais que entretenimento hollywoodiano, além do "filme tão esperado cheio de estrelas da semana". Estávamos lá pelo prazer da descoberta de um cinema desconhecido vindo de lugares distantes. E no final, movidos por esse sentimento, nós aplaudíamos (não sempre, pois o prazer da descoberta nos leva a assistir algumas merdas sem igual) e corríamos para a próxima sessão. Mas esse ano, simplesmente não aconteceu. Quando o filme acabava e os créditos apareciam, as pessoas tinham aquela postura básica de saída de cinema: levantavam-se e saíam, ou ficavam para conversar com os conhecidos ou para esperar a próxima sessão. E eu vi poucas merdas esse ano, alguns geniais e bem merecedores de uma salva de palmas. Até entendo não aplaudirem "Valsa com Bashir", pois é difícil bater palmas para algo tão triste. Apenas o emotivo "Como Diz a Bíblia" conseguiu alguns ínfimos clap-claps.
Por quê? Não sei explicar. Seria estranho se o resto do público sofresse da mesma falta de entusiasmo que eu. Mas fiquei um pouco deprimido quando pesnei no assunto, e me lembrei de quando vi "Bran Upon The Brain!" do Guy Maddin na Mostra do ano passado. Era uma sessão da repescagem, quase todos os assentos vazios, e eu sentia que era uma das poucas pessoas naquele cinema que estavam embarcando na viagem daquele filme. No final, só eu aplaudi. Sozinho, mas batendo forte as palmas das minhas mãos. Esse ano, não tive essa audácia.
 


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