sexta-feira, 31 de outubro de 2008
A Mostra e Eu - Parte 2 - Uma Triste Constatação
terça-feira, 28 de outubro de 2008
Amanda e o Sonho de Uma Terra sem Sol
PERSONAGENS
Amanda Goethe – Uma Filósofa Hermética
Televisão – Um Eletrodoméstico
Jolly Roger – Um Demônio
GM – Um Deus
Ato Único
Sala de leitura, cercada por estantes cheias de livros, recipientes e estatuetas. Uma janela fechada ao fundo, uma televisão no canto esquerdo, uma poltrona verde surrada com um aparelho de som ao lado no canto direito. Pergaminhos espalhados pelo chão, exceto no centro, onde está desenhado um grande pentagrama dentro de um círculo de velas.
Cena I
AMANDA, sentada na poltrona e usando uma toga – Mas que bela merda. Bem que meu pai me avisou. Esse mundo ridículo precisa mesmo é de um enema, como disse Jack Nicholson naquele filme. Para mim, é impossível continuar levando a mesma vida normal de sempre, sem pôr em prática os conhecimentos que me foram revelados. Esse círculo de velas me protegerá de qualquer coisa que exista lá fora, qualquer coisa que queira ou possa me impedir de fazer o que me vejo forçada a fazer (levanta-se e caminha até o centro da sala). Daqui a milhares de anos, quando eu tiver terminado, eu imagino o que dirão de mim, se é que vai sobrar alguém nesse mundo depois que finalmente acontecer. Dirão que sou egoísta, que sou prepotente, que sou um monstro, que sou maldita, genocida, sádica. Talvez estejam certos. Bem, pior pra eles.
Cena II – Televisão liga sozinha.
TELEVISÃO – Você é louca, Amanda. Você não sabe o que está fazendo.
AMANDA – Se você ligou apenas para me incomodar, então poupe seu fôlego, Televisão. Onde você estava quando eu precisei de qualquer opinião que me provasse errada? Aposto que estava correndo por alguma linha cibernética, se exibindo via satélite. Você não tinha nada pra me dizer quando eu precisei, e agora só pode me chamar de louca. Como se isso fosse me impedir (pega um dos pergaminhos do chão).
TELEVISÃO – Você não tem motivos. Não tem razão. Está fazendo isso para alimentar o próprio ego. Está fazendo isso para satisfazer um impulso de megalomania. Está fazendo isso para atender a um desejo de sangue. O que Papai Freud pensaria disso? Você é tão jovem e acha que o mundo pertence apenas a você. Mas agora está ameaçando a todos nós. Eu te chamo de louca.
AMANDA – E eu que imaginava o que diriam de mim.
TELEVISÃO – Amanda, você é tão jovem e tão bela. Por que desperdiçar essa dádiva? Amanda, e o que dirá GM? Acha que ele vai ficar só olhando enquanto você age como um Hitler ocultista?
AMANDA – Mas Hitler era ocultista.
TELEVISÃO – O quê? Verdade?!
AMANDA, entrando no círculo de velas e sentando-se no pentagrama – Tanto faz. Nada pode invadir meu círculo. Nem GM pode me impedir agora.
TELEVISÃO – Disseram a mesma coisa do Titanic, e olha só.
AMANDA, gritando – Ah, cala essa boca, Televisão! Você devia ser minha serva! Você devia me ajudar! Ao invés disso fica me atazanando como se fosse minha mãe! Mas você não é minha mãe, e eu sei o jeito certo de te colocar no seu devido lugar (tira um controle remoto de dentro da toga).
TELEVISÃO – Não, Amanda! Não, não! (desliga)
Cena III
AMANDA, examinando o pergaminho – Muito bem, muito bem. Está tudo certo. O círculo, o pentagrama com o emblema de Marylin Monroe voltado para o Oeste, CD dos Mutantes pausado no aparelho de som. Agora só falta me marcar com as iniciais do tal sujeito (tira da toga um estojinho de maquiagem). Aquela TV idiota, ela acha que sabe tudo sobre mim, eu vou mostrar pra ela (molha a ponta do dedo). Nada vai me impedir, nem mesmo ter que escrever na própria testa sem um espelho (com uma mão, escreve na testa, com a outra segura o pergaminho). Ainda por cima tenho que ler essa coisa em voz alta enquanto escrevo. E eu nem falo inca-venusiano. Mas tudo bem. Eu sei que posso fazer isso.
AMANDA, recitando – Teu nome está em mim, ó Soturno. JR está em mim, ó Jolly Roger. Ouve seu nome, quando eu grito em silencio para os Altos não perceberem. Aqui, atos de extrema repugnância esperam por ti. Aqui, eu espero por ti. Vinde a mim, que eu tanto te quero. Ouve teu nome, Jolly Roger. Eis a chave da tua prisão, dentro de mim. Vem pegar. Ao redor de mim, há um círculo. Ao redor de mim, há tudo, Jolly Roger. Apenas tu podes desfrutar desse corpo e dessa mente. Apenas tu podes me ajudar. Sofro tanto por ti, eu te amo, ó Jolly Roger. Ouve teu nome sendo docemente sussurrado. Sente meu amor. Vem pegar, ó Jolly Roger.
Cena V – Sons de gatos gemendo dominam a sala, a luz das velas lentamente diminui. Som de alguma coisa se arrastando pela sala, a luz retorna, mas o canto da sala continua pouco iluminado. Ainda é possível ver uma pessoa sentada na poltrona.
AMANDA – Eu consegui. Puxa vida, eu sou um gênio!
JOLLY ROGER – Quem é você? Onde eu estou? Que cheiro é esse?
AMANDA – Ai, que bom! Que bom que você fala minha língua. Eu fiquei preocupada, achei que teria que conjurar um demônio-tradutor também.
JOLLY ROGER – Você me chamou aqui? Foi você, não foi? Eu estava dormindo.
AMANDA – Claro que estava, amor. Por isso eu sussurrei. A gente tem uns assuntos muito importantes para conversar.
JOLLY ROGER – Espera aí, eu conheço você. Eu já te vi em algum lugar.
AMANDA – Meu nome é Amanda Goethe. O nome do meu pai era Faustus. Lembrou agora?
JOLLY ROGER – Seu pai também me chamou. Você era aquela menininha que ajudava ele. Faz quanto tempo? Uns dez anos? Naquela época eu tinha outro nome. Aliás, eu mudei de nome para as pessoas pararem de me chamar.
AMANDA – Eu sei. Foi bem difícil achar você, baby. Mas eu consegui, e agora você é meu. Espero que você tenha bastante pique pra me acompanhar, nós temos muito que fazer.
JOLLY ROGER – Você acha que é só me chamar aqui e pronto? Geralmente há um tipo de troca de favores envolvida. Aliás, eu nem sei o que você quer que eu faça. Nem sei se eu vou fazer. Pela aparência da sua casa, você não deve ter muita coisa pra me oferecer.
AMANDA – Ah, deixa de ser chato. Eu gastei quase todo o meu dinheiro tentando arranjar os documentos certos pra te invocar, não podia morar numa cobertura nos Jardins. Sem falar que eu te soltei do Inferno. Você podia até me agradecer.
JOLLY ROGER – Me soltou? Tava tudo muito bom pra mim no Inferno. Fiquei os últimos dez anos sem ser incomodado por ninguém. Até que uma menininha faz uma mágica fajuta e consegue me achar. Eu quero saber quem te vendeu esses papiros, por falar nisso. Não posso deixar que fiquem revelando meus nomes pra qualquer um.
AMANDA – Olha, se você me ajudar, eu prometo que nunca mais vai ser incomodado.
JOLLY ROGER – Acho difícil. Mas me conta logo o que você quer. Vamos ver se a gente resolve logo.
AMANDA – Antes chega mais perto, eu quero te ver melhor. Quero ver se você é igual ao que eu me lembro.
Cena VI – Jolly Roger levanta-se da poltrona e se aproxima do círculo, a luz das velas o iluminam, mas seu rosto continua na semi-escuridão.
JOLLY ROGER – Satisfeita? Podemos ir em frente?
AMANDA – Eu lembro que você usava uma capa e um chapéu. Eu te achava muito bonito.
JOLLY ROGER – O que? Agora eu estou feio?
AMANDA – Não! Feio, não. Só diferente. Mais casual.
JOLLY ROGER, sentado-se no chão, do lado de fora do círculo – Sabe que você até que é bem jeitosinha pra uma garota tão nova?
AMANDA – Não precisa me bajular só porque eu sou sua dona, tolinho. Além disso, eu já fiz 21.
JOLLY ROGER – Você ainda não é minha dona. Antes precisamos fazer o acordo. Não me peça nenhuma barbaridade, por favor.
Cena VII – Amanda se volta para a platéia.
AMANDA – Ai, é agora. Rezo a minha querida Éris para que ele concorde com meu plano. Todos os meus sonhos podem se realizar nos próximos minutos. Caso contrário tudo para o que eu trabalhei até agora vai por água abaixo. Ele é tão maravilhoso. Diferente do que eu me lembro, mas ainda sei porque eu o amo tanto. Não eram apenas as palavras do ritual, eu o amo. Ah, querida Discórdia, foi você quem fez que eu me apaixonasse pelo demônio?
JOLLY ROGER – E então? Quais são os termos?
AMANDA – Bem, em primeiro lugar, eu quero ser imortal.
JOLLY ROGER – Naturalmente.
AMANDA – Mas nada de truques. Você me entendeu muito bem. Eu quero ser imortal e continuar como estou. Nada de envelhecer eternamente, como você fez com meu pai.
JOLLY ROGER – Por falar nisso, como está seu pai?
AMANDA – Bem, eu guardo ele numa caixa. Ele é feliz lá.
JOLLY ROGER – Que bom. Continue.
AMANDA – Depois que eu virar imortal, eu queria dominar o mundo.
JOLLY ROGER – Naturalmente.
AMANDA – Depois de cem anos dominando o mundo, eu quero destruí-lo.
JOLLY ROGER – Naturalmente... Não, espera... O que?
AMANDA – Eu quero destruir o mundo.
JOLLY ROGER – Deixa eu ver se eu entendi. Você quer ser imortal pra poder governar o mundo por cem anos, e depois você quer destruir o mundo. É só isso?
AMANDA – Sim, basicamente.
JOLLY ROGER – Vem cá, você quer que eu destrua o mundo ou que eu te dê o poder pra destruir o mundo?
AMANDA – Acho que tanto faz.
JOLLY ROGER – Ah, que bom! Porque eu não posso fazer nenhum dos dois!
AMANDA – Nem vem com essa conversa pra cima de mim. Quer dizer que você não pode fazer isso?
JOLLY ROGER – Poder eu até posso. Mas GM não deixa.
AMANDA – Ora, foda-se GM!
JOLLY ROGER – Não fala isso, menina! Vai que ele escuta!
AMANDA – Ora, foda-se, foda-se, foda-se! Eu achei que você tinha culhão pra esse tipo de coisa. O que? Você quer saber o que vai ganhar? Você quer minha alma em troca?
JOLLY ROGER – Não existe esse negócio de alma, minha filha. Por que você acha que todo mundo tenta vender? Por que você quer fazer isso, afinal de contas?
Cena IX – Amanda se volta para a platéia novamente.
AMANDA – Dois anos atrás, eu tive um sonho maravilhoso. O mundo era um lugar sem sol, a terra era cinza, dura e fria. Não havia pessoas pelas ruas, a Avenida Paulista era dominada por uma intensa ventania e nada mais. Apenas alguns pássaros voavam pelo céu cheio de nuvens escuras. O resto dos animais havia abandonado o planeta. As pessoas haviam perecido. Restava apenas eu. Primeiro eu fiquei com medo, mas o silencio começou a me acalmar. A falta de movimento que pairava no mundo era, de alguma forma, natural. Como se o mundo do jeito que é agora fosse uma aberração. Um mundo estático e sem sol. Esse foi o meu sonho. Eu quis tanto que continuasse. Tentei voltar a dormir, mas sonhei apenas com as mesmas bizarrices psico-eróticas de sempre. Nunca mais voltei para minha terra sem sol. Desde então, venho tentando dominar esse mundo, para desfrutar de tudo que ele pode oferecer. E aí, sem remorsos, o destruirei e o transformarei na minha terra sem sol. É tudo que eu mais quero.
JOLLY ROGER – Vou te contar uma coisa. Se eu te ajudar a fazer isso, GM vai descer dos céus, coisa que ele pode já estar fazendo se ele tiver ouvido essa conversa, e vai me encher de porrada. Depois, vai cancelar nosso acordo e você vai ficar com um belo Karma pra enfrentar. Desculpa, Amanda. Mas não tem jeito de fazer isso.
AMANDA – Entra no meu círculo.
JOLLY ROGER – Como é?
AMANDA – Confia em mim. Entra no meu círculo.
JOLLY ROGER – Bem, tá… Tá bom. (entra no círculo de velas e se senta ao lado de Amanda)
AMANDA – Você podia entrar em mim.
JOLLY ROGER – O que? Te possuir? Do que isso ia adiantar? GM ia me achar e ia me arrancar de você.
AMANDA – Não, você podia entrar em mim pra sempre. Primeiro me faz imortal, depois me faz dominar o mundo, e então se junta ao meu corpo, deixando seu nome do lado de fora. Você me deixa usar sua força pra destruir o mundo daqui a cem anos, mas continua aqui dentro, dormindo para sempre. Ninguém mais poderia te incomodar, porque você vai deixar de ser Jolly Roger, vai ser Amanda. GM não poderia te tirar de mim.
JOLLY ROGER – Isso é sério? Tem certeza? Se a gente fizesse isso você não seria a mesma Amanda. Eu não me importo de deixar meu nome pra trás. Não preciso dele. Mas você é só uma menina. E mesmo que a gente fizesse isso, não tem garantia de que GM não ia dar um jeito de melar tudo. E você ficaria sem sua terra sem sol, além de perder um pouco de si mesma, porque eu não poderia mais sair.
AMANDA – Tudo bem, não me importo de arriscar tudo. O que importa é tentar, e saber que você vai ter um lugar quentinho pra dormir (ela acaricia seu rosto escuro).
JOLLY ROGER – O que você está fazendo?
AMANDA – O que eu tenho vontade.
JOLLY ROGER – Do que diabos você está falando, menina?
Cena XI – Sons de tempestade. A TV liga novamente. A janela se abre, revelando uma cegante luz azul e um homem do lado de fora da casa.
TELEVISÃO – Eu avisei, Amanda. Você não vai escapar dessa agora.
AMANDA – Sua caixa idiota!! Você foi me dedurar?!
JOLLY ROGER – Pronto, não falei? Caramba, isso vai doer muito.
GM (gritando) – Eu sou o todo-poderoso GM. Quem ousa tramar contra minha supremacia sobre esse universo? É você, Amanda, a pecadora? O Karma espera para devorar a sua existência!
AMANDA (responde gritando) – Sai da minha casa, sua coisa velha e imunda! Você não pode fazer nada! Você não pode entrar no meu círculo! Eu te abandonei já faz muito tempo! Eu vou dominar esse mundo! Vou mastigá-lo e cuspi-lo fora! E quando só sobrar minha terra sem sol, não vai haver espaço pra você! Vai ter que ficar acima das nuvens, onde é frio e os outros deuses idiotas contam piadas de sacanagem!
JOLLY ROGER – Isso. Provoca mais o ser supremo que pode nos esmagar com um olhar.
AMANDA (para Jolly) – Lembra o que eu falei sobre ter culhões? Agora é a hora.
TELEVISÃO – Amanda, peça perdão para GM. E expulse essa fera de dentro do seu círculo.
GM – Ouça a voz da razão, Amanda! Você não pode se tornar dona desse mundo. Muitos já tiveram essa ilusão. Mas apenas eu permaneço. Você nada pode contra GM!
AMANDA – Imbecis, já faz muito tempo que eu parei de dar ouvidos para a Televisão (tira uma pequena pistola de dentro da toga).
JOLLY ROGER – Menina, você é mais louca do que eu imaginava. Vá em frente.
TELEVISÃO – Amanda, o que você vai fazer com isso? Por favor, Amanda. Lembre-se do tempo que passamos juntos, Amanda! Por favor, Amanda! Amanda, Amanda, Amanda, Amanda...
AMANDA – Pare de dizer meu nome! (dispara a arma)
Cena XII – A tela da TV explode. A luz por trás de GM fica bem mais fraca.
AMANDA – Acabei com sua voz, coisa velha. Vai embora da minha casa.
GM (falando com voz de criança) – Você me magoou muito, Amanda. Você acabou de destruir a esperança do mundo. Sem TV, nada resta.
AMANDA – Vai chorar no ombro de um padre, velhote. Até nunca mais.
Cena XIII – A luz por trás de GM se apaga.
JOLLY ROGER – Bem, parabéns. Você queria destruir o mundo e conseguiu.
AMANDA – É mesmo, né? Pena que não consegui ser a rainha de tudo durante um século. Mas acho que não perdi nada. Você ainda pode me fazer imortal?
JOLLY ROGER – Posso, posso. Você ainda pode me oferecer um lugar pra dormir?
AMANDA (rindo) – Vamos lá fora para ver o Não-Sol. Depois, eu serei sua cama e seu cobertor para toda a eternidade.
JOLLY ROGER – Você é muito estranha, Amanda.
AMANDA – Cala a boca, amoreco. E deixe seu nome por aí mesmo.
(As velas se apagam)
FIM
domingo, 26 de outubro de 2008
A Mostra e Eu
Apenas para contribuir com a minha dor de cabeça, a tão esperada Mostra Internacional de Cinema de São Paulo começou na mesma semana em que eu iniciei um curso intensivo de programação (que já deveria me dar dor de cabeça o suficiente). O resultado é que eu não vi e nem verei metade dos filmes que gostaria. Já no sétimo dia da Mostra e eu compareci a apenas cinco filmes. Gostaria mesmo de ter mais filmes para criticar e mais tempo para criticá-los. Enfim, quem não tem cão... Vamos nessa.
Las Meninas (de Ihor Podolchak, Ucrânia, 2008) - Primeira sessão do primeiro dia da Mostra. Me interessou por causa da foto (essa aí mesmo, bela imagem) e pela história, que parecia intrigante. Mas em apenas cinco minutos de filme deu pra perceber que a trama não importava tanto. Uma família, cujo número e identidade dos membros não está muito clara, vivendo no ambiente claustrofóbico de uma casa de campo, servindo apenas para uma série de delírios de som e imagem (aliás, a fotografia e a edição de som são impressionantes).
É um filme bem difícil e sem gênero, daqueles que você sabe que são bons mesmo quando não te agradam tanto. Foi descrito como uma pintura viva, e isso faz muito sentido. E serve pra mostrar uma coisa típica da mostra, que é a imprevisibilidade (isso é uma palavra?) da maioria dos filmes que você vai ver. Baseado na foto e na sinopse, eu jurava que ia assistir um feel-good movie do leste europeu.Quando Você Viu Seu Pai Pela Última Vez? (de Anand Tucker, Reino Unido, 2007) - Outra coisa típica da Mostra é a correria. Mesmo vendo apenas dois filmes naquele dia, acabei passando por isso. Marquei o tempo exato que levava para correr do Shopping Frei Caneca até o Espaço Unibanco na Rua Augusta (dez minutos no máximo) e comprei o ingresso para ver esse filme logo depois de "Las Meninas". Mas... a Imprevisibilidade!! A projeção de "Las Meninas" deu defeito e a sessão atrasou vinte minutos! E acabei perdendo as primeiras cenas de "Quando Você Viu...", filme que adapta o livro de Blake Morrison sobre sua juventude agüentando as manias de galã e bon-vivant do pai, vivido pelo sempre bem-vindo Jim Broadbent. Ou seja, eu perdi essa cena das bananas... E olha, esse sim é um feel-good movie. Nada contra o tom meio água-com-acúcar (tem até câmera girando ao redor dos protagonistas). Boas interpretações, bem escrito, bem dirigido e muito capaz de provocar umas lágrimas verdadeiras na platéia. Melhor do que a maioria.
Love Life (de Maria Schrader, Alemanha e Israel, 2007) - Eu devo ser muito burro, pois só agora descobri o maldito Festival da Juventude. Esse tempo todo eu podia estar vendo filmes de graça! O problema é acordar pra chegar no cinema às dez da manhã. Cheguei lá e vi esse filme bonitinho (caramba, eu sou bom de crítica) sobre uma garota israelense insatisfeita com a vida, com os pais, com o casamento e com o serviço de transporte público (é, eu também ficaria com medo de pegar ônibus em Israel). Se a soma de partes boas fez de Quando Você Viu Seu Pai..." um filme um pouco acima da média, esse "Love Life" consegue somando um bando de fatores desfavoráveis. O roteiro tem momentos, mas nada surpreendente ou muito inspirado (cheio de matáforas ou muito óbvias ou muito exageradas). Os atores são a mesma coisa, com excessão da mulher que interpreta a mãe da moça, e de Rade Sherbedgia (um tipo de Billy Conolly galã e mal-humorado do Oriente Médio), que interpreta o amigo do pai da moça e
Três Dias de Chuva ( de Michael Meredith, EUA, 2003) - Um daqueles filmes com vários núcleos diferentes, adaptando várias histórias do bom e velho russo Anton Chekov para a contemporânea cidade de Cleveland. É meio cansativo, um texto pobrezinho e uma edição terrível, mas tem momentos - só não sei se valem tanto a pena.
Adoração (de Atom Egoyan, Canadá, 2008) - Sempre ouvi falar de Atom Egoyan, mas nunca vi um filme dele. Pois hoje me arrependo e vou procurar mais do trabalho desse cara. A história do rapaz que inventa uma trama de terrorismo sobre os pais falecidos chega a ser assustadora em alguns momentos e engraçada em outros. Cinema de qualidade em todos os aspectos - nem preciso falar tanto delem. A pequenos momentos duvidosos no decorrer, mas nada que comprometa.
Essa foi a primeira semana da Mostra pra mim. Darei notícias.
terça-feira, 21 de outubro de 2008
ESTRANHO DESTINO DE UMA GAROTA NUMA NOITE ESTRELADA
Olhe para o céu numa noite qualquer. Talvez não haja nuvens, e você possa ver as estrelas brilhando forte, mais forte do que você lembra de já ter visto. Olhe fundo para o céu, sentindo-se mergulhar na escuridão acima, atravessando limiares invisíveis com o seu olhar. Deixe de sentir a terra firme debaixo de seus pés. Esqueça-a enquanto o espaço infinito se revela ao seu alcance.
Talvez você dê de cara com o viajante. Uma consciência antiga e intangível, nascida no coração de uma estrela ou no útero de uma nebulosa. Um filhote do cosmos ancestral, desprovido de qualquer forma, linguagem ou intenções que uma mente humana como a sua possa compreender. Ele passa por você, ignorando sua presença. Ele se dirige para a terra firme que você abandonou.
Não olhe para trás. Apenas imagine o viajante adentrando a atmosfera, silencioso e frio como um cadáver. Somente um risco de luz cortando o céu noturno. Ele é um cometa se aproximando de um campo vazio, uma planície ou um pasto. Não há ninguém lá para lhe dar as boas vindas. Mas imagine uma garota, não mais do que uma criança, correndo assustada pela noite. Imagine o ar frio fazendo o seu rosto molhado de lágrimas doer. Há alguém, então, para saudar o viajante. Violentamente, ele atinge o chão, assustando as vacas – se fosse um pasto e lá houvesse vacas. A garota sente o chão tremer sob seus pés e tropeça. Imagine ela caindo.
Ela vê uma luz fraca vindo de mais adiante, onde algo parece ter caído do céu. A luz possui muitas cores, mas nenhuma que ela possa reconhecer. Ela se aproxima da luz. O viajante não chama por ela, mas ela vai assim mesmo. Agora imagine a coisa dentro da luz, a coisa que a garota vê. Uma coisa de um milhão de olhos, mas que não possui olhos. Braços que não são braços, mas que a envolvem. Imagine um beijo que não é um beijo. E imagine a luz mais brilhante de repente sumindo.
A garota volta pra casa, caminhando calmamente, sem lágrimas nos olhos. Ela é abraçada pela mãe quando entra pela porta. A mãe se assusta com o abraço. Seu pai grita com ela por ter fugido e diz que devia lhe dar outra surra. Imagine a garota taciturna, sem mostrar qualquer reação diante das palavras do pai. Ela vai para seu o seu quarto, sem dizer nada.
Nos dias seguintes, talvez um medo comece a se espalhar. Primeiro na casa da garota, depois na escola, entre seus colegas, e então em toda a cidade. Imagine as pessoas da cidade identificando o medo, tentando ignora-lo sem sucesso. Ninguém imaginaria que a fonte do medo fosse a garota, mas eles sentiriam o sangue correndo gelado em suas veias quando ela passasse por perto, sempre caminhando, calada e inexpressiva. A garota bonita, com olhos bonitos, boca bonita e cabelos bonitos, cuja soma das partes não parecia estar certa. Na casa da garota, seus pais acabam se acostumando com uma vida quase insuportável. O pai tenta a todo custo evitar qualquer contato com a filha, e a mãe chora sozinha por não conseguir se comunicar com ela. Imagine o casal brigando. Discutindo rudemente enquanto a garota fica sentada em seu quarto, no escuro.
Imagine os anos se passando. Os pais tiraram a garota da escola, mesmo que suas notas tenham melhorado. Ela começou a assustar os professores e os outros alunos. Agora ela fica trancada no quarto, onde ninguém pode vê-la. Às vezes, um médico vai visitá-la, quando ela começa a recusar comida e quase não dorme mais. Mas os médicos não gostam dos resultados que seus testes inúteis revelam. Eles não gostam das coisas no sangue da garota. Então eles também param de vir. Logo, a cidade aprende a conviver com o medo, e a garota começa a ser esquecida.
Um dia – imagine – a mãe entra no quarto da garota e descobre que ela sumiu. Ela implora que seu marido faça alguma coisa, que chame a polícia, que procurem por ela. Mas ele a proíbe de dizer mais. Ele espera que a garota nunca mais volte. Passam-se dias. Talvez se a polícia tivesse sido contatada, se um grupo de busca tivesse sido organizado, talvez eles encontrassem a garota sentada na margem de um rio numa propriedade vizinha. Talvez no meio do mato, agarrada a uma árvore. Ou encolhida num buraco de terra, como um animal hibernando. Eles fugiriam de medo ao vê-la passando por um processo similar, mas ainda bem diferente, ao de uma cobra trocando de pele. Eles a veriam sem entender que cada célula de seu corpo estaria se alimentando de substâncias secretas, contidas no ar, na terra e na água, mas que a pobre ciência humana jamais foi capaz de identificar. Eles não a viram. Mesmo assim o medo começa a se espalhar para fora da cidade, por todo o mundo.
E quando cada pessoa no planeta estivesse sofrendo com o medo, sempre olhando para trás quando caminhasse na rua, chafurdando patéticas em inexplicáveis terrores noturnos, ela retornaria. Imagine o povo da cidade encontrando a garota, nua, coberta por uma grossa camada de sujeira, enquanto caminhava por aí, da mesma forma que fazia anos antes. Eles chamariam seus pais, mas eles já não estavam na antiga casa. Relutante, um médico a examinaria e descobriria que ela está grávida. Fruto de um estupro, ele pensaria. Imagine a garota sendo entregue ao Estado. Imagine o medo daqueles que tiveram que cuidar dela, alimenta-la e tratá-la. Imagine o dia em que, depois de uma gestação estranhamente curta, seus bebês finalmente nascem.
Não imagine os bebês. Você não pode imaginar os bebês dela.
Anos se passam. Ela continua tendo bebês, e eles não param de comer. Seus dejetos têm efeitos estranhos na atmosfera, fazendo a luz assumir aspectos perturbadores. O ar e a água têm um cheiro doce e nauseante. À noite, as estrelas continuam brilhando, cada vez mais intensamente. Não há mais pessoas, e assim, não há mais medo. Há apenas fome insaciável e selvagem, e a garota. Ela caminha por um campo, uma planície ou um pasto. Talvez o mesmo onde ela caminhou anos antes. Sentindo seu útero se contorcer com as novas e famintas vidas dentro dele, ela olha para as estrelas e espera. Talvez ela espere por algo que possa assustá-la mais uma vez, que finalmente lhe cause maravilha, ou aquela inédita sensação de arrebatamento. Imagine a garota sentada no chão, olhando para o céu, ignorando o som constante dos urros furiosos de seus bebês.
Você pode apenas imaginar, pois você não está lá. Há muito tempo você deixou aquele mundo, encarando aquele mesmo céu. Você agora é o viajante. Logo, você encontrará aquilo que a garota tanto espera. Talvez.
A FADA CINZA
Aparentemente, Jefferson Jericó estava à toa na vida na estação de trem, caminhando calmamente de um lado para o outro da plataforma, com seu leve gingado de malandro e a fumaça de seu terceiro cigarro naquele dia, destacando-o dos estagiários retornando para casa e dos colegiais matando aula para correr até o shopping. Porém, os tipinhos que povoam aquela estação em particular, nunca muito lotada, independente do horário, não chegavam a prestar atenção no sujeito que nunca pegava nenhum dos trens nem parecia esperar a chegada de algum passageiro, namorada ou amigo, que seja. Apenas caminhava, Jefferson Jericó, que preferia permanecer na sombra fria, longe do sol forte, sem suar dentro da camisa de flanela.
- Seu cigarro cheira gostoso – disse a fada cinza que voava ao redor do moço, rodopiando e sorrindo.
- Meus amigos dizem que eu devia parar.
- Eu sou sua amiga. Não pára, não.
Mais um trem chegava, e umas sete ou oito pessoas saíram lentamente dos vagões ao abrir das portas. Ainda não prestando atenção ao caminhante Jefferson, menos ainda elas ocupavam suas mente com a presença da fadinha cintilante que o acompanhava. Realmente, não haveria motivo para tanto, já que a torto e a direito você pode encontrar fadas de todas as formas e tamanhos por aí. Embora aquela minúscula criaturinha tivesse o diferencial de sua cor cinza, muito pouco usual para fadas, ainda era, realmente, apenas uma fada.
- O que estamos fazendo aqui, você e eu? – perguntou a fada, repousando sobre o ombro de Jericó.
- Estamos esperando por Godot – respondeu ele, atirando o cigarro pela metade nos trilhos já muito povoados por antigas bitucas.
- Ah, tá... E quem é esse Godot?
- É brincadeira, é de uma peça. Não tem Godot nenhum, não.
- Como você sabe?
Não apenas a cor. Na verdade, sua pele poderia ser de qualquer cor possível, até mesmo cor de pele, ninguém sabia. Mas, como a grande maioria das fadas, ela brilhava. E brilhava cinza. Jefferson Jericó conheceu algumas fadas nos últimos anos e já viu tantas outras por aí. Mas aquela era a única que ele já havia visto que brilhava cinza. Constantemente cinza. Ele nunca a questionou sobre esse fato. Também, não se importava tanto assim.
- Olha, eu estou apenas brisando por aqui – suspirou Jefferson.
- “Brisando”, você diz. Mas o ar aqui é tão parado. Pelo menos não está calor.
- Não é isso. Quer dizer...
- Eu sei – ela ria como uma criança. Jericó gostava, mas não sempre – Quer dizer ficar à toa, relaxar. Eu sei muita coisa.
Outro trem chegava, na outra plataforma. As pessoas na janela olhavam para os dois com monotonia. A fadinha tentava lançar olhares amigáveis para cada um, mas eram tantos. Jefferson a admirava por isso, e por tantas outras coisas que ela nem imaginava.
- Então, “brisando”... é uma gíria, não é? Como uma palavra inventada? Tem no dicionário?
- Nunca vi – Jericó sorriu, lembrando-se de uma brincadeira que tinha com a fada – No último livro que eu li tinha um sujeito num barco. Que livro é?
- Só isso? – ela perguntou manhosa.
- Ele não está viajando, está lá a trabalho. E se sente muito só.
A fada pensou um pouco sentada na cabeça de Jericó, imitando a posição de uma escultura da qual, há muito tempo atrás, havia testemunhado a concepção. Ela adorava jogar “Qual é o Livro?”.
- Ele é velho?
- Isso eu não digo, senão você mata na hora – ele acendeu outro cigarro.
Ela bufou e cruzou os braços, fazendo de conta que estava pensando muito forte. Ele riu do teatrinho dela.
- É... “O Velho e o Mar”?
- Errou.
- Ah, que... meleca!
Jefferson riu alto. A fadinha tinha esse hábito de parar antes de deixar escapar algum palavrão, para substituí-lo por uma palavra boba e parecida, uma espécie de vulgaridade infantil que divertia muito seu amigo humano.
- Tá bom, me diz que livro é!
- O Coração das Trevas. Era fácil.
Dava para ouvir a sirene estridente de uma ambulância ao longe. Os dois ficaram em silêncio enquanto a fadinha observava o trajeto de uma folha vermelha, dançando frenética no vento. Quando Jericó terminou o cigarro, ele jogou para fora da plataforma, tentando acertar o segundo trilho, e nesse momento a fada saiu voando rápido. Jericó pensou que talvez ela quisesse pegar o cigarro pela metade antes que chegasse ao chão, mas ela desviou para o outro lado da estação, voltando logo depois trazendo a folha vermelha, que filtrava a luz acinzentada e parecia ser feita de fogo.
- Bonita, né? Vou pensar em alguma coisa bem bacana pra fazer com ela – ela retornou ao ombro de Jefferson e ficou a fazer cócegas na orelha do rapaz com a ponta aveludada da folha – Só ainda não sei o que é.
Jefferson deu um sorriso e ficou olhando as pichações nos muros que saíam da estação e seguiam os trilhos até a curva. Não viu a decepção manhosa de sua pequena amiga, cuja mágica folha vermelha não pôde arrancar uma gargalhada mais sincera. Por um momento ela baixou o olhar.
- Você não quer mesmo me contar o que aconteceu? – O rapaz ainda não olhava para ela. Ela flutuou um pouco enquanto ele se sentou num dos bancos de madeira, passando por cima de sua cabeça e repousando em seu outro ombro. Ele continuava a não olhar para ela.
- Menina, você vem pra cima de mim com esse jeitinho carinhoso, liberando seu pozinho mágico, batendo as asinhas perto dos meus ouvidos e falando que nem criança – ela se apoiou em seu rosto, acariciando os duros pêlos de seu rosto com a diminuta e reluzente mãozinha acinzentada – Não é que eu não goste, acho até legal. Mas numa hora ou outra da conversa você começa a me perguntar da vida. “O que você acha de saudade”? “Você já quis ser outra coisa”? – ele ignorou quando ela abraçou seu pescoço, como se descansasse a cabeça no lóbulo de sua orelha – E eu juro pra você que até hoje eu não entendi qual é a sua. Não entendi o que você quer de mim, não faço idéia de onde você vem quando aparece do nada. Qualquer dia desses, eu vou dar uma de grosseirão com você, nossa amizade vai acabar, você vai sair voando com o rosto molhado de choro e eu vou me sentir um merda. Vou me sentir tanto um merda que vou pegar meu berro – ele tirou da cintura uma arma, nada de especial nela, apenas uma arma – Essa coisa feia aqui, ta vendo? Vou pegar essa arma, a minha arma, porque eu vou estar me sentindo um merda, e vou estourar meus miolos. Só pelo remorso, só porque eu fui grosso com você. É isso que você quer? Não? Então vê se pára de me fazer pensar nessas coisas. Não vim aqui pra pegar trem, não vou pra lugar nenhum e nunca vi a tal peça do Godot. Se você quer falar de livros, a gente fala de livros. Se você quer brincar de pegar folhinhas eu fico olhando. Se você quiser brincar nos anéis de fumaça que eu fizer, eu até topo. E se você quiser me perguntar da minha vida, eu te faço chorar e me mato. E é isso. Entendeu?
Era como se ela usasse o olho de Jericó como um espelho, de tão próxima que ela estava de seu rosto. A forte luz cinza não incomodava. Era como se toda a visão dele fosse preenchida por esse estranhamente jovial tom de cinza. Ela sorria.
- Eu já entendo a paixão, o fogo. Já sei tudo sobre isso. Quer me contar agora o que está acontecendo, Jefferson Jericó? – o som de seu nome escapava dos lábios dela como um sussurro, mas também como um eco. E o que mais ele poderia fazer?
- Bem, problemas com meu velho, eu acho. Mas não é por isso que eu estou aqui. Sei lá, o pessoal meio que veio pra me pegar. Eu arranjei uma dívida fodida. Sabe de quem eu to falando? – ela acenou com a cabeça. Enquanto ele falava, ela voou até seu peito e guardou a folha vermelha devidamente dobrada no bolso da camisa dele.
- Então – ele continuou – é por isso que eu tô com a arma. Nem sei o que vai acontecer, eu não devia ter entrado nisso pra começo de conversa. Eu sei atirar legal, mas nunca atirei em ninguém. Também nunca levei bala, mas dizem que dói. Será que a senhorita tem alguma coisa boa pra dizer sobre isso? Ou vai ser alguma coisa sobre duendes e passarinhos?
- Você tem sua arma e seus cigarros. Agora só falta o amor quente de uma boa mulher e você não vai precisar de mais nada.
Ele ficou lá sentado olhando pra ela flutuar na sua frente. Não era bem a resposta que ele esperava, se é que havia uma. Pode ser uma sensação bem peculiar, compreender um segredo sem realmente identificá-lo. Jericó poderia descrever tal sensação. Aquela fadinha, tão inocente a primeira vista, tinha um segredo. O cinza mantinha a mulher oculta. A mulher. A bela e cruel e amorosa e justa. A deusa. Mas então ele se lembrou de como ela gosta de surpreender. Essa era a verdadeira magia de todas as fadas do mundo: a surpresa, o inesperado. E ele sorriu para ela. Sorriu mesmo, mostrando os dentes amarelados. Um sorriso para uma fada é uma sentença.
Quando ela sorriu de volta, e outro trem partiu, Jericó guardou a arma na cintura e se levantou. O sol se escondeu em meio às nuvens, e sombras desconexas se projetaram no chão. Ela voou até ele e o beijou suavemente três vezes, pois um beijo triplo é outra sentença. Bem devagar, ela começou a subir.
- Pra onde você vai agora? – ele perguntou automaticamente.
- Tenho muitos encantos pra fazer. Mas você sabe que eu volto. Eu sou igual aos trens daqui, só que não tem um monte de gente viajando dentro de mim.
- Olha que eu não tenho certeza – ele riu. Os dois riram.
Ambos riram enquanto ela voava para longe, o sol reaparecia e tudo ficava um pouco menos cinza. O metal frio chamou sua atenção, como se um pedaço de gelo tivesse se agarrado à cintura de Jefferson Jericó. “Uma arma não é uma sentença”, ele pensou, “como um sorriso ou um beijo”. Uma arma é um símbolo que nada simboliza. A mão de Jefferson quando ela segura a arma, seus ombros quando ele olha para trás. E também seu rosto quando ele olha pra trás. Seus olhos. O próprio Jericó. São símbolos e sentenças que significam tudo. Medo e remorso, e outras coisas tolas. Mas por outro lado, há fadas, não é?
FIM
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
REALIDADE O CARAMBA
Não sei exatamente do que se trata, mas parece que os casais de rapazes nerds (que, eu acredito, tiveram um tipo de upgrade geek pra aparecer na TV) con as garotas gostosas competem pra ganhar dinheiro.
Depois da musiquinha de abertura eu desisti de assistir mais:
"I've got the brains, you got the looks, let's make lots of money!"
Ah, e descobri que foi criado pelo Ashton Kutcher, o que não me surpreende.
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
CINEMA, PELO AMOR DE JÚPITER!
Ensaio Sobre a Cegueira Uma associação americana de cegos (!) quer protestar o filme que logo vai estrear po - Fernando Meirelles conseguiu adaptar o que era inadaptável. O livro do Saramago foi um dos livros da minha vida, e agora ele está nos cinemas praticamente igualzinho. E continua mais do que relevante. Surpreendente. Aliás, notícia estranha da semana.r lá... Eu não quero ser chato (até quero), mas pq eles querem atrapalhar um filme que eles NÃO VÃO VER??! E já perceberam que associações servem mesmo pra criticar coisas em grupo?
Infelizmente, não pude ver Trovão Tropical, uma comédia que eu esperava já faz um tempão. Na espera do DVD.
Hellboy II - O Exército Dourado - Superou o primeiro, na minha opinião. Ainda tem essa mania de Hollywood de deixar tudo "grande". As histórias do Hellboy poderiam muito bem suportar tramas menores que não envolvem a destruição do mundo por setenta vezes setenta monstros mecânicos. Mas é bom, e Guillermo del Toro é o novo Jim Henson. A música de Barry Manilow cabe mesmo em qualquer coisa, heim?
O Nevoeiro - Esse filme tem de tudo! Terror? Tem. Gore? Tem (membros decepados e sangue pra todo lado). Significado e mensagem importantes para o mundo contemporâneo mas que ainda tem espaço em qualquer discussão? Tem!! Se eu fosse Stephen King, só deixava o Frank Darabont adaptar minhas obras. Depois de três filmes o cara já se especializou em fazer isso direito, e não teríamos outro Apanhador de Sonhos.
Fay Grim - Eu vi na Mostra Internacional ano passado, mas é claro que eu vi de novo. Além disso, por ser uma sequência de As Confissões de Henry Fool, filme que indiretamente gerou esse blog, ele deve ser citado. Tem um ritmo que a maioria das pessoas não vai gostar (tanto dessa vez como ano passado eu vi mais de uma pessoa saindo do cinema), mas o negócio é bom demais. E Parker Posey vale qualquer filme... Bem, talvez não esse último "Olho do Mal sei lá o quê" com a Jessica Alba.
E é isso. Preparem-se para novas e eletrizantes aventuras.
HÓSPEDES - Terceira e (Eba!) Última Parte
Não foi um dia muito agradável no trabalho. Depois da advertência pelo atraso e pela precariedade do relatório que deveria entregar, Susana teve problemas de concentração o dia inteiro. Era como se alguma coisa em sua cabeça estivesse fora de lugar. Além disso, ela recebeu dois telefonemas estranhos. Primeiro, durante uma reunião, na qual ela se esqueceu de deixar o celular para vibrar. A ligação, ela averiguou perturbada, vinha de seu apartamento. Ela desligou o celular, sem responder a ligação. Meia hora depois, ligaram novamente. Quando atendeu, ela só conseguiu escutar ruídos indefinidos em meio à estática. “Parem de me ligar” ela disse, e desligou.
Quando voltou para casa no fim da tarde, Susana se surpreendeu ao encontrar o apartamento bem limpo e arrumado, além de completamente redecorado. Os móveis, as plantas, os quadros e até mesmo os tapetes haviam mudado de lugar. Na verdade, “bem limpo” é um exagero, pois era possível ver no chão algumas trilhas de alguma coisa seca e com um cheiro leve de amêndoa, que fez Susana se lembrar da gosma que a fez escorregar no dia anterior. A única coisa que continuava no lugar era a televisão, mas nem parecia a mesma. Estava quase desmontada, com o tubo a mostra, e conectada a pequenos cones de papel alumínio na parte de trás.
Era óbvio quem eram os responsáveis. Susana correu até o quarto e, diferente do resto do apartamento, o encontrou bem bagunçado. As portas do armário estavam escancaradas e havia roupas espalhadas pelo chão. Além disso, tanto as gavetas do armário como as da cômoda estavam puxadas, formando pequenos degraus. Irritada, Susana se agachou para encarar os visitantes. Novamente, lá estavam eles debaixo da cama. Estavam manipulando dois sutiãs, entortando os fechos e aplicando cola industrial no meio. Onde eles conseguiram um tubo de cola industrial era um mistério ao qual Susana já estava irritada demais para dar atenção.
“O que vocês pensam que estão fazendo?” perguntou Susana, com autoridade. Até então, os visitantes ignoravam a presença dela, a qual responderam com um ronronar meio borbulhante de boas-vindas. Susana esticou o braço debaixo da cama e tirou os sutiãs sob protestos das criaturas. Uma delas até ficou pendurada em um dos fechos, mas caiu no chão enquanto Susana se levantava.
“Isso não é certo”, ela disse enquanto observava o estrago feito em suas peças íntimas. As cinco criaturinhas estavam ao redor dela, observando atentas e esperançosas de que seus objetos de trabalho fossem devolvidos. “Eu não quero mais saber de vocês mexendo nas minhas roupas”, ela disse, “entenderam?”. Os cinco se entreolharam. Um deles, o mesmo que havia oferecido queijo a Susana, emitiu um guincho afirmativo. Susana ficou mais aliviada.
“E a minha TV? Eu quero ela consertada agora mesmo”, ela ordenou. Ouvindo isso, dois deles correram até a sala, com suas patinhas batendo no assoalho. Susana foi atrás deles, seguida pelos outros três. Ela encontrou as duas criaturas se ajudando a subir no sofá (agora mais próximo da janela). Depois, um deles foi até o controle remoto e ligou a televisão, que estava sintonizada num canal chinês. Susana estranhou não apenas a imagem incrivelmente nítida, mas o fato de ela ter apenas o pacote básico da TV por assinatura. Ela pegou o controle remoto e clicou pelos canais, mas eles não acabavam. Simplesmente não tinham fim. Era como se (“mas é impossível”) ela tivesse todos os canais do mundo.
Ela olhou para os dois no sofá e os três aos seus pés, sem saber muito bem o que dizer. Era realmente uma gentileza. Ela apenas sorriu e devolveu os sutiãs colados para eles, afinal já não tinham mais serventia. “Mas nada mais de mexer nas roupas”, ela disse mais carinhosa. Eles pareciam entender. E voltaram para o quarto, deixando Susana à vontade na sala para surfar os novos canais.
Antes da noite acabar, Susana já se sentia um pouco mais sossegada. Ela tomou um banho demorado e encontrou uma pilha de toalhas limpas e macias esperando por ela no quarto onde dormira na noite anterior. Fez o jantar (um pouco de arroz à grega com filé de frango) e deixou um pedaço de queijo prato no chão junto à porta do quarto onde seus visitantes estavam. Ela abriu a porta para perguntar se eles precisavam de mais alguma coisa, mas eles não interromperam o que quer que estivessem fazendo para responder. Mesmo assim, ela ficou feliz de ver as roupas que eles espalharam agora arrumadas e dobradas em cima da cama. Então, Susana foi para o quarto vago no final do corredor, onde finalmente pôde terminar o relatório (seu chefe havia dado uma extensão de prazo para fazer a coisa do jeito certo) e foi dormir.
Mais uma vez, ela não conseguiu dormir tão bem. Foi uma noite longa, cheia de sonhos indecifráveis, mal-estares e um desconforto latente. Tanto que no dia seguinte, ela estava atrasada novamente. Dessa vez, dada a nova familiaridade com os visitantes, ela resolveu entrar no quarto e pegar uma traje mais apresentável. Ela escolheu um tailleur simples, mas elegante, passou um lápis no olho e conseguiu fazer o selvagem cabelo despenteado parecer proposital. Sentando-se na cama para vestir a meia-calça, Susana lembrou-se dos pequenos visitantes, mas ao se abaixar para ver, encontrou vazio o espaço debaixo da cama.
Teriam os monstrinhos irritantes e bons de eletrônica ido embora? “Se for o caso”, pensou Susana, “não foi muito educado sair sem dizer tchau, não que isso importe”. Ela olhou ao redor, abismada. “Cadê eles?”. O som da TV sendo ligada na sala deu a resposta. Susana os encontrou sentados lado a lado no sofá, enquanto um deles mudava rapidamente os canais com o controle remoto, decidindo-se por um documentário sobre tubarões. Susana disse oi, e eles responderam instantaneamente, mas não com muita vontade (os tubarões pareciam tomar muito da atenção deles). “Eu vou pro trabalho agora”, ela disse, “acho bom a gente conversar mais tarde”. Eles se entreolharam, e aquele que estava com o controle remoto mudou de canal mais uma vez, para uma imagem congelada de uma bacia de plástico azul. Susana entendeu bem quando eles apontaram para a tela, emitindo em uníssono um borbulhar patético, algo como “por favor, por favor, por favor”.
“Não”, ela disse, indignada. Já era um pouco demais esperar que ela fizesse compras para eles. Sem dizer mais nada, ela foi embora para o trabalho, batendo a porta ao sair. No intervalo para o almoço, Susana foi comprar a bacia. Era algum tipo especial, usado para dissolver coisas, ou algo assim. Ela encontrou numa loja de construções, mas demorou tanto que acabou ficando sem comer, e ainda se atrasou mais meia hora para voltar ao trabalho. Isso sem contar o esporro que levou de manhã, quando percebeu, chocada, que havia deixado o lap top, com o bendito relatório, em casa. E em back up. Essa ineficiência não era típica dela, por isso ainda era cedo para realmente temer pelo seu emprego, mas o resto do dia foi um inferno mesmo assim.
Quando chegou no apartamento, morta de fome, desarrumada e carregando uma bacia de plástico, Susana estava prestes a encontrar seu limite. Havia um cheiro estranho vindo do quarto, como se cabelo queimado. Susana correu até lá, mas não passou do corredor, onde tropeçou e caiu, ralando o joelho em alguma coisa metálica. Eram pedaços do telefone da sala que estavam espalhados pelo chão. Susana suspirou (“dai-me forças”), pegou do chão a bacia, que havia caído com ela e abriu a porta do quarto, pronta para encontrar qualquer coisa. Menos o que ela encontrou.
A primeira coisa que ela encontrou foi um amontoado de sujeira junto à cama. Quando ela chegou mais perto, viu que eram moscas. Centenas delas, mortas ou morrendo. Todas estavam com as asas arrancadas. A segunda coisa que ela encontrou – que elevou o nível do alarme de raiva em sua cabeça de “ativado” para “emergência” – foi a caixa onde ela guardava o seu... bem, o seu vibrador. Sim, por que não? Ela era uma mulher adulta, trabalhadora, pós-moderna, os encontros casuais nas festas de fim-de-semana nem sempre garantiam alguma coisa. Por que ela não poderia ter um vibrador? Era o direito dela! Estamos nos século 21, pomba! Todo mundo faz isso!
A terceira coisa que Susana encontrou foi o grupo de criaturinhas, envolvidas numa atividade curiosa. Três deles estavam com uma panela, que Susana reconheceu como pertencente ao jogo de cozinha que ganhou de sua mãe quando se mudou. Havia frascos de esmalte e perfume espalhados embaixo da cama, que aqueles três estavam esvaziando dentro da panela, enquanto outro mexia com uma colher de pau. Esse outro também se ocupava expelindo de sua testa uma gosma amarelo-escura, que se misturava ao que já estava dentro da panela. Tem mais. O quinto monstrinho tinha ao seu lado uma taça – de cristal, Susana pagou uma fortuna pelo jogo completo – cheia de um líquido rosa claro que tinha a aparência da combinação de esmalte, perfume e gosma expelida da testa de uma criaturinha inconveniente. E ele também estava com o vibrador. Ele se ocupava em usar o pincel de um dos esmaltes para espalhar o conteúdo da taça por toda a superfície do precioso aparelho, e depois – e isso deixou Susana com o estômago revirado – colar as pontas das asas das moscas até que o cobrissem por inteiro.
Um leve arroto saiu da boca de Susana, resultado de um dia inteiro sem ingerir nada além de café de escritório e barrinhas de cereal. Isso tirou a atenção das criaturas de suas estranhas tarefas. “Eu trouxe a porra da bacia”, disse Susana, bem preocupada em deixar clara a sua raiva no tom de voz. Um deles olhou para a panela, deu de ombros com seus bracinhos metálicos e emitiu um som que a pessoa mais atenta poderia entender como “é melhor jogar essa panela fora depois”.
Foi quando Susana viu a quarta e última coisa antes do alarme em sua cabeça passar do modo “emergência” para “iminente derretimento do núcleo, abracem os seus filhos e rezem”. Estavam atrás da panela, e ela teve que estender o braço para pegar, empurrando dois deles que estavam no caminho. Agora estavam em sua mão, mas ela não podia crer. Duas plaquinhas verdes, algumas teclas com letras e números Eram peças de seu lap top, ela tinha certeza. Susana olhou ao seu redor e encontrou mais delas escondidas atrás da porta. Uma lágrima caiu.
As criaturinhas tentaram acalmá-la, pois embora fossem bem inteligentes, não sabiam que é impossível acalmar uma semi-balzaquiana que acabara de perder seu fiel computador. “Vocês vão embora daqui agora mesmo, seus filhos da puta”, gritou Susana ao agarrar a bacia e jogar contra eles. Ela então pegou a borda da cama e, no que permitia sua força, começou a arrastá-la de volta para onde estava antes dessas pestes invadirem sua casa. Ela acabou chutando a panela, espalhando o conteúdo por todo o chão do quarto. Em pânico, os monstrinhos soltaram um grito estridente e contínuo, que fez Susana cobrir os ouvidos. Também começaram a expelir um gás espesso de suas testas, que aos poucos foi preenchendo todo o quarto.
Susana saiu do quarto tossindo e lacrimejando, fechando a porta atrás dela, mas o cheiro ainda era muito forte. “Esse é o meu quarto”, ela gritou batendo na porta, “é o meu apartamento”. Ela soluçou, engolindo o choro. “Vou ligar pra um exterminador que é o que já devia ter feito”. Mas ela estava sem telefone. Então, ao invés de ligar para um exterminador, Susana pegou o celular e ligou para sua amiga Bete, explicando tudo que aconteceu. Bete deu todo o apoio que podia (“essas coisas acontecem”). Elas ficaram conversando por mais um tempo, até Susana temer por seus créditos e finalizar a conversa. Não havia som algum vindo do quarto, mas o cheiro forte ainda impedia Susana de se aproximar sem sentir a garganta fechando. Esgotada, ela se jogou no sofá e adormeceu profundamente.
No meio da madrugada, um barulho alto a acordou. Não era nada parecido com qualquer coisa que ela ouvira antes, e nunca um leigo poderia identificá-lo como o som de cinco criaturas sendo puxadas por sutiás num vibrador alado com um motor improvisado das peças de um telefone e de um laptop. Susana foi cautelosa até o corredor, notando que o cheiro havia sumido.
Ela abriu a porta e encontrou seu quarto completamente restaurado. A cama estava arrumada e no lugar de antes, não havia resquício do estranho líquido no assoalho ou do gás mal-cheiroso no ar, e a bacia azul estava num canto, com o recibo da compra dentro dela. A janela estava aberta, e quando Susana foi fechar, ela encontrou uma surpresa em cima da cama. O relatório que ela deveria ter entregado na segunda-feira estava impresso e organizado. Ela mal podia acreditar. Na primeira folha, preso com um clipe, havia um bilhete impresso em papel cor-de-rosa. Eram símbolos pequenos que Susana não reconhecia, a não ser pelos dois últimos que se assemelhavam muito a um coraçãozinho e uma carinha sorridente.
Susana sorriu. No final, eles tinham sido legais e tentaram compensar os transtornos. Talvez ela tivesse exagerado um pouco, mas eles reconheceram que a tinham deixado brava. Com uma renovada sensação de bem estar, Susana fechou a janela, deixou o relatório em cima da cômoda e começou a tirar as roupas que usou durante aquele dia difícil. Ela afastou os lençóis e se deitou em sua cama, que tanto lhe fizera falta. Dentro de algumas horas ela terá que acordar, e o sono bem-vindo se aproximava. Seu último pensamento antes de cair no sono foi que, em parte, ela quase sentiria falta desses inéditos convidados. Claro que até aí Susana ainda ignorava as centenas de ovos que eles botaram em seu cérebro, mas já era um fato conhecido para ela: mesmo depois que se vão, seus hóspedes de fim-de-semana permanecem.
FIM